A delegada da Polícia Federal, Érika Miaiki Marena, anunciada para ser a superintendente em Sergipe, está sendo investigada numa sindicância aberta pela Corregedoria-geral da PF, que apura sua conduta nas apurações que culminaram com a prisão do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, que depois cometeu suicídio. Ele foi preso na primeira fase da Operação Ouvidos Moucos. A assessoria de Comunicação da PF, em Brasília, disse que a transferência da delegada para Sergipe está mantida, embora não exista uma data para a posse. E também o fato dela ser investigada numa sindicância não impede que assuma esse cargo.
A assessoria de imprensa da PF disse, ainda, que hoje, 7, está ocorrendo uma operação policial na UFSC, num desdobramento da Operação Ouvidos Moucos.
A determinação para abrir a sindicância, segundo reportagem publicada no jornal O Globo, partiu do ministro da Justiça, Torquato Jardim e, com isso, a promoção da delegada foi suspensa. De acordo com O Globo, o ministro recebeu denúncias de familiares do ex-reitor contra a delegada. Luiz Carlos Cancellier e mais outros seis colegas de universidade foram presos no dia 14 de setembro por suposta tentativa de atrapalhar investigação sobre desvio de dinheiro de cursos à distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta no Brasil na universidade. O ex-reitor foi preso a partir de um pedido formulado por Érika Marena.
O ex-reitor foi liberado no dia seguinte à prisão. Mas, também a pedido da delegada, foi afastado da reitoria e proibido de frequentar a universidade. Quatro dias antes do suicídio, Cancellier escreveu um artigo para o GLOBO em que fala sobre o tormento na cadeia. Logo depois de ter sido detido, ele foi levado para o Complexo Penitenciário Agronômico, presídio que abriga os presos mais perigosos do estado. “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição”, afirmou.
O ex-reitor se matou ao pular no vão central do shopping Beiramar, em Florianópolis na manhã de 2 de outubro, 19 dias depois de ter sido preso e afastado da reitoria da universidade. Num bilhete de despedida, Cancellier escreveu “minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”.
Leia o artigo escrito pelo ex-reitor Cancellier
[box type=”shadow” align=”alignright” class=”” width=””]
“Reitor exilado”
“Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia.
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.
Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.
Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.
Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.
Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.
De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento”.
[/box]