Jogar luz para investigar as histórias de clandestinidade, prisão e resistência, mobilização e solidariedade, greves de fome e luta por liberdade de um casal de sergipanos, de um coletivo de presos políticos na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, de mulheres nordestinas, de jovens brasileiros durante a ditadura na década de 70.
Esses são os temas revelados pelo livro Dossiê Itamaracá, da jornalista e historiadora sergipana Joana Côrtes, que será lançado em Aracaju na próxima quinta-feira, 12, a partir das 18h, no Museu da Gente Sergipana. Fruto da dissertação de mestrado em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a pesquisa ganhou a segunda edição do Prêmio Memórias Reveladas do Arquivo Nacional.
A partir da pesquisa em acervos, sobretudo nos arquivos pessoais de ex-presos políticos e do DOPS de Pernambuco, a autora percorreu meticulosamente fotografias, diários de greves de fome, correspondências, jornais da época, atrás de indícios, anotações, carimbos e silêncios – igualmente provocadores de sentido – para compreender como um coletivo de presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, resistiu e atuou, entre 1973 e 1979, para integrar e fortalecer os movimentos pela anistia no período de luta pela abertura política e fim dos 21 anos de ditadura civil-militar (1964-1985) no país. ‘
Dossiê é, sobretudo, um livro sobre incômodos, silêncios e “refazimentos” afetivos e históricos. É reencontro com a memória pessoal da própria autora, que sempre soube muito pouco sobre os anos em que seus pais, os sergipanos Bosco Rolemberg e Ana Côrtes, viveram clandestinos como militantes da Ação Popular e como presos políticos em Pernambuco, na década de 1970.
No ano em que o Brasil completa 30 que saiu de uma ditadura civil-militar de 21 anos (1964-1985), e há menos de um ano que divulgou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, com as apurações das violações de direitos humanos ocorridas no período dos anos de chumbo, Dossiê Itamaracá faz parte dessa safra de pesquisas semeadas e colhidas nos últimos cinco anos, na discussão e busca por Memória, Verdade e Justiça.
[box type=”shadow” align=”” class=”” width=””]
Dossiê Itamaracá
Através de um vasto acervo de cartas e fotografias, pertencente a ex-presos políticos, entrevistas, diários de greve de fome e cerca de mil páginas dos relatórios de vistorias de visita do Dops-PE, atualmente salvaguardadas no Arquivo Público Estadual de Pernambuco, Dossiê Itamaracá se aprofunda no cotidiano e nos mecanismos de resistências dos presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo, entre 1973 e 1979. O livro estuda o período que compreende o início do funcionamento da prisão na ilha de Itamaracá, após a desativação da Casa de Detenção do Recife, até 1979, ano da “Anistia”.
Dossiê traz como jovens, a maioria entre 20 e 30 anos, que ficaram até dez anos na prisão, provenientes de diversas organizações de esquerda como Ação Libertadora Nacional (ALN), Ação Popular, VAR-Palmares, Ligas Camponeses, PCBR e PCdoB sobreviveram ao período de clandestinidade e escaparam da morte após as torturas nos porões das Forças Armadas e se refizeram e se organizaram para resistir e lutar pela liberdade nas celas do Nordeste do país.
É Itamaracá que puxa a primeira greve de fome nacional no Brasil, entre 17 de abril e 9 maio de 1978. Juntos por um objetivo específico – a quebra do isolamento carcerário de dois presos políticos, Carlos Alberto Soares e Rholine Sonde Cavalcanti – Pernambuco vai receber adesões da maioria das mulheres e homens presos políticos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará e Minas Gerais.
A partir daí, a repressão aperta, a mobilização ultrapassa as celas pelas mãos das mulheres mães e companheiras dos presos políticos, a solidariedade se amplia e presos políticos, familiares, exilados e organizações da sociedade civil – como OAB, parlamentares de oposição setores progressistas da Igreja e o recém-criado Comitê Brasileiro de Anistia -, saem mais articulados e fortalecidos na luta por Anistia Ampla Geral e Irrestrita.
Por trauma ou por direito, pouco disseram sobre o dilaceramento e as perdas, a dor e as torturas, o cotidiano da clandestinidade e da prisão, o aprendizado e o amadurecimento pessoal e político desse período, e o quanto foi, ainda é tão difícil quanto importante se colocarem sobre as próprias pernas após a reabertura política do país, a partir de 1985.
Dossiê Itamaracá é, portanto e também, reencontro com a história coletiva, com o passado e o presente de um país que, como tantos outros da América Latina, vive ainda, cinquenta anos depois do golpe civil-militar, sob os efeitos da violência herdada dos 21 anos de ditadura.
Depois de ter sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo, Dossiê aporta em Aracaju e segue para o Recife, onde será lançado dia 24 de novembro na livraria Cultura do Paço da Alfândega.
[/box]
[box type=”success” align=”aligncenter” class=”” width=””]
Sobre a autora
Joana Côrtes (1980) é jornalista e historiadora. Nasceu e cresceu em Aracaju (SE) e é filha dos ex-presos políticos Ana Côrtes e Bosco Rolemberg. Foi curadora da exposição coletiva Anistiados: couro esquecido, em 2009, realizada na Galeria Álvaro Santos, e da exibição do documentário A Mesa Vermelha, no Museu da Gente Sergipana, em abril de 2014.
Graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e passou pelas redações do Cinform, Jornal da Cidade, Agência Sergipe de Notícias e TV Aperipê. É especialista em arte-educação pela Universidade de São Paulo (USP) e mestra em História Social pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), com a dissertação que rendeu o prêmio da segunda edição do Memórias Reveladas. Desde 2013, é jornalista da TV Brasil, na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em São Paulo, onde vive desde 2009.
[/box]
O Prêmio é concedido a cada dois anos a trabalhos monográficos feitos com base nas fontes documentais referentes ao regime civil-militar no Brasil. Iniciativa do Arquivo Nacional no âmbito do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil – Memórias Reveladas, instituído pela Casa Civil da Presidência da República, em 2009, como resultado de diversas ações de governo voltadas para o fortalecimento de políticas públicas de valorização do patrimônio histórico documental e de aperfeiçoamento da cidadania e da democracia em nosso país.