Por Emerson Sousa (*)

Economia Herética

Tornou-se popular, desde as manifestações de 2013, a proposição “Mais Brasil, menos Brasília!”. A ideia aí subjacente é a de que o principal entrave ao desenvolvimento do país estaria na estrutura político-burocrática que reside na capital nacional e que, em se reduzindo essa presença, o alcance da sustentabilidade econômica seria apenas uma questão de tempo.

No entanto, caso se joguem luzes na história econômica do país, há de se ver que talvez o problema não esteja no Planalto Central, mas se localize em latitudes mais subtropicais. Para ser mais preciso, os problemas da nossa estrutura produtiva provavelmente tenham suas origens na região da avenida Paulista.

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Antes de qualquer coisa, é preciso ressaltar que não se quer aqui estigmatizar as pessoas que transitam ou se alojam na centenária via pública. Apenas se deseja dar um posicionamento geográfico ao conjunto de percepções, ideias e interesses que, dos mais diversos modos, condicionam as relações sociais de produção em todo o país.

A gênese da lógica que sustenta o presente argumento está no papel assumido pelo Brasil no contexto da divisão internacional do trabalho. Desde o século XVI, a economia brasileira sempre foi destinada a atender a demanda das nações centrais por produtos primários.

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Tanto é assim que se é possível separar a história do país a partir dos ciclos desses mesmos itens. Primeiro foi o açúcar, depois o café, o ouro e as pedras preciosas, a borracha e, atualmente, o minério de ferro e os grãos de soja.

Nesse cenário, as localidades que serviram de mediação entre as áreas de produção e a metrópole, exercendo o controle político-econômico desse processo em nome dos países centrais; cidades tais como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, sempre foram a mais perfeita tradução dos interesses externos presentes nestas terras.

PAULISTA E O INTERESSE DO CAPITAL FINANCEIRO

Nos dias atuais, dado o seu grau de centralidade em serviços financeiros, é na capital paulista que se localiza o nódulo principal do capitalismo brasileiro e, consequentemente, esse se organiza no sentido de ser apenas um fornecedor de commodities, sendo a avenida Paulista o mais acabado símbolo dessa trajetória.

Com efeito, essa composição organizativa afeiçoa toda a estrutura produtiva do país a partir desse mesmo molde, não permitindo a emergência de paradigmas de desenvolvimento que destoem dessa lógica, haja vista representarem riscos reais e imediatos.

Ocorre que tal fenômeno, que já foi hegemônico na Primeira República (1889-1930), perdendo muito do seu ímpeto nos 50 anos seguintes, vem recuperando suas forças desde o início da década de 1980.

Dessa época em diante, o Brasil vem sistematicamente diminuindo a participação da indústria em seu produto e aumentando o peso dos produtos básicos em sua pauta de exportações.

Paulatinamente, todo um parque industrial formado entre 1930 e 1980, foi desmontado enquanto o agronegócio exportador – externamente dependente de insumos e maquinário – vem se tornado o principal dínamo da economia brasileira. E tudo isso sempre com o beneplácito da banca sediada na avenida Paulista.

Para que isso ocorra, a Paulista vem modificando o arcabouço coordenativo da economia brasileira, de modo mais intenso, desde a posse de Fernando Collor na Presidência República e persistindo, em graus diferenciados, até o mandato Bolsonaro.

Abertura comercial e financeira, desvinculação de receitas da União, tripé macroeconômico, desonerações de exportações, reformulação das leis trabalhistas, teto de gastos e reformas da previdência são medidas que atendem aos imperativos da  avenida Paulista em seu projeto de um Brasil potência primário-exportadora.

A questão é que essa realidade requer um país primarizado, com atividades de baixos níveis de produtividade e de pouco valor agregado, além de totalmente dependente. Com o agravante de o Brasil ser uma nação de quase 210 milhões de habitantes, dimensões continentais e iníquos níveis das mais sortidas desigualdades.

BRASÍLIA: UMA ARENA POLÍTICA

Nesse sentido, Brasília sempre foi mais um espaço de enfrentamento desses ditames do que de atrapalho para o país. Pois é na capital federal que o Brasil consegue debater de modo democrático sobre os seus problemas. Não é à toa que foi lá que se gestou a mais cidadã de nossas Constituições, em 1988.

Foi em Brasília, dentre outras coisas, que se criou os fundos constitucionais e as superintendências de desenvolvimento. Foi de lá que saiu o comando para iniciativas como a Zona Franca de Manaus ou a aposentadoria rural, coisas que muito dificilmente teriam guarida na avenida Paulista.

Quando se olha para a história do Brasil, fica nítido que o país apenas se desenvolveu de modo consistente nos momentos em que os seus interesses se afastaram da Paulista e, coincidentemente ou não, se aproximaram de Brasília.

Sob a óptica aqui defendida, a avenida Paulista tão somente é uma sala corporativa de comando, ao passo em que a estrutura política à disposição em Brasília a transforma numa arena de diálogos entre os mais diversos cantos do país.

Logo, é preciso rever esse preconceito com a capital federal e entender que o desenvolvimento social é mais um fenômeno político do que puramente econômico e que é melhor alcançado quando discutido num ambiente em que todos são ouvidos, o que só pode ocorrer mais facilmente em Brasília do que na avenida Paulista.

(*) Emerson Sousa – Mestre em Economia pelo NUPEC/UFS e doutorando em Administração pelo NPGA/UFBA