Missa do vaqueiro, em Porto da Folha

Por Sérgio Lucas*

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, diriam os lusitanos.

Não sou fazendeiro, criador de cavalos, nem vaqueiro. Nunca corri vaquejada e, com certeza, não tenho nenhum talento para tal.

Sou nordestino, amante da nossa cultura e, lamentando algumas inúteis e injustificáveis agressões perpetradas por defensores ou contrários à vaquejada, vou fazer algumas ponderações. Elas não representam a verdade absoluta. É apenas a minha verdade, dentro dos limites de minha falibilidade de percepção:

A vaquejada é um esporte secular do Nordeste brasileiro. *É o único esporte genuinamente brasileiro* e está impregnada na cultura do nordestino, assim como o sangue que lhe corre nas veias.

O seu primeiro registro como prática é datado de 1874, com o cearense José de Alencar. Ela não surgiu da mente sádica de homens doentios que desejavam apenas se divertir, maltratando os animais. Na verdade, a vaquejada reproduz a lida diária do vaqueiro nordestino no trato com o gado e, principalmente, a ocasião das apartações.

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Em um pequeno, porém necessário comparativo, temos que o gaúcho pampeiro, para fazer o seu trabalho com as reses, usa a corda pra laçar o boi. Os pampas têm uma vegetação rasteira que permite esse tipo de manejo. O nordestino sertanejo, por seu turno, lida com os bovinos na caatinga, uma vegetação repleta de arbustos cheios de galhos retorcidos e espinhos. Nesse ambiente, é impossível imaginar o vaqueiro girando o laço para pegar o boi. O sertanejo enfrenta a vegetação inóspita, montando com destreza o seu cavalo, à procura da rês em disparada. São idiossincrasias tópicas que fazem com que a prática de ambos os trabalhadores sejam diversas. Ambos são belos espetáculos da disputa entre o homem e a natureza. Nos dois casos a finalidade é cuidar do gado para o seu destino final, o abate e a mesa do ser humano.

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Convém registrar que somos onívoros. Isso quer dizer que, em nossa dieta, incluímos, também, carne animal. Para isso, o “nosso costume” admite a morte de outros seres vivos e ninguém está a praticar qualquer crime. Assim, à exceção dos veganos, falece legitimidade aos demais para falar de crueldade contra os bichinhos. Se bem que as plantas, também, gostariam de continuar vivendo, se me permitem a prosopopeia.

Pois bem, no nosso caso, essa cultura de lidar com os bovinos foi reproduzida nas corridas de mourão. Ela não é a cópia mais fiel; porquanto essa primazia compete à Pega-de-boi-no-mato; a qual tem o seu maior expoente na Festa do Vaqueiro de Porto da Folha/SE. No entanto, ela,  a corrida de mourão, detém maior número de praticantes e expectadores em razão da sua maior visibilidade, conforto e evolução.

A nossa vaquejada foi cantada por nosso maior expoente musical, o Rei Luiz Lua Gonzaga; é exaltada por poetas, cordelistas e violeiros (até eu tive a ousadia de compor músicas com o tema!). A vaquejada é retratada por pintores e artesãos e é praticada e defendida por iletrados e doutores, inclusive com votos de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal favoráveis à sua manutenção. É ilógico imaginar que estamos falando de uma legião de insanos cruéis; muito menos, criminosos.

Juiz de Direito, Sérgio Lucas
Sérgio Lucas, juiz de Direito e escritor sergipano

A vaquejada gera renda para mais de um milhão de pessoas, entre empregos diretos e indiretos. São vaqueiros, tratadores, criadores, fazendeiros, leiloeiros, domadores, veterinários, empresários, artistas, agricultores, produtores de ração, publicitários… Enfim, um universo de trabalhadores que têm nesse esporte a sua principal ou única fonte de renda.

Com esse pequeno apanhado é possível afirmar que “ser contra a Vaquejada é ser contra o Nordeste.” Continuemos:

A vaquejada moderna evoluiu a tal ponto que mal se compara ao que acontece no dia a dia das fazendas. Ao contrário, o trato e o respeito ao bem estar do animal se reflete no cotidiano das propriedades rurais, a exemplo da evolução automotiva causada pelas corridas de automóveis nos nossos veículos.

As regras têm se tornado cada vez mais rígidas e minuciosas, fazendo com que o tratamento rudimentar se torne cada dia mais brando e sendo raríssimos os casos de lesões.

Os maus tratos, caso eventualmente cometidos, porque há maus profissionais em todas as áreas, são punidos com desclassificação, e essa acarreta prejuizo financeiro.

É preciso conhecer para opinar, ir às pistas, falar com os árbitros, veterinários e praticantes e ter noção de toda a cadeia de empregos gerados.

Se, ainda assim, você for contrário à vaquejada, a minha respeitosa discordância. Mas, por “obséquio e coerência” não comemore qualquer decisão em desfavor dessa importante manifestação da nossa cultura comendo um churrasco!

* Sérgio Menezes Lucas

Juiz de Direito, Compositor e Escritor Sergipano